A escola (e o mundo) antes e depois do WhatsApp

E não somos todos, até certa altura da vida, seduzidos por esse mesmo equívoco, o de acreditar que o mundo começou no dia em que nascemos?


Sérgio Rizzo
Sala lotada e atenta de sétimo ano do ensino fundamental. Pouco mais de 30 alunos, a maioria com 13 anos de idade. O assunto é história do cinema, mas a conversa se desloca até o desenvolvimento dos meios de comunicação. Lembro a eles que, na minha infância, não havia telefone celular; tínhamos apenas os aparelhos fixos com disco. Encerrada a aula, uma aluna se mantém com os olhos estatelados à minha frente. "Professor, não é possível", diz ela. "Se não havia celular, como é que funcionava o WhatsApp?". Explico que não havia o WhatsApp - o hoje popular aplicativo de mensagens - justamente porque não havia celular. E ela, ainda mais surpresa: "E como é que as pessoas se comunicavam?".

Todos os alunos dessa turma, em uma escola particular de São Paulo, têm telefone celular. É proibido usá-lo durante as aulas, mas no intervalo eles o acionam. Falam entre eles, falam com os pais. Usam o aparelho para diversos outros fins, inclusive para se desculpar com o professor. Sim, isso mesmo. Durante uma exibição de filmes, retirei da sala dois alunos que insistiam em fazer bagunça e os levei à coordenadora. Ela sugeriu que a dupla pensasse em uma maneira criativa de "limpar a barra" comigo. Na semana seguinte, antes da aula, os dois se adiantaram para mostrar um vídeo que fizeram no celular de um deles. Era uma animação bem-humorada que reconstituía o episódio da bagunça. Ao final do vídeo, um sonoro pedido feito em dueto: "Desculpa, professor!".

O prazer de dar aulas para crianças e adolescentes inclui dezenas de histórias como essas, aqui selecionadas para exemplificar dois pontos: (1) a geração "milenar", nascida nos anos 2000, incorporou naturalmente o uso de tecnologias que, para alguns educadores, ainda parecem cifradas - entre em uma sala de professores e experimente perguntar, por exemplo, quem sabe fazer um vídeo de animação no celular; (2) os "milenares", muitas vezes, acreditam que o mundo sempre foi assim, como se apresenta a eles hoje. Alguém poderia lembrar: e não somos todos, até certa altura da vida, seduzidos por esse mesmo equívoco, o de acreditar que o mundo começou no dia em que nascemos?

Pode ser. Mas o que de fato interessa aqui é assinalar que jamais houve, na história da educação, tamanho fosso entre os hábitos de comunicação (e as práticas sociais derivadas deles) dos professores e os de seus alunos. Essa distância pode representar algo perigoso: perder de vista como as crianças e os jovens de hoje processam informação e desenvolvem conhecimentos. Sem essa percepção, dar aula corre o risco de virar um tiro no escuro - e a escuridão do passado inclui sistemas e procedimentos que talvez não funcionem mais como um dia funcionaram (se é que funcionavam mesmo). Nesse cenário, surpreende que tantos educadores ainda sejam resistentes a usar e a melhor compreender, no seu cotidiano, tecnologias, aparelhos, redes, aplicativos etc. Renunciam, assim, a se aproximar do universo de seus alunos. Caberia perguntar por que desejaram ser professores.

Fonte: Revista escola pública

Comentários

  1. Mesmo não me apropriando desse tal de WHATS,(por certas questões)Rsrs...sempre considerei o aparelho celular c/ uma poderosa ferramenta pedagógica a favor da nossa prática,visto que, a maioria dos nossos alunos têm acesso.Com o avanço das tecnologias,não podemos ignorar esse e os outros RECURSOS MIDIÁTICOS.Além de aprimorar nossa prática,dinamizam e qualificam nossas aulas.Precisamos e devemos demonstrar interesse em aprender a utiliza-los.Em contrapartida fico a pensar sobre as plaquinhas de aviso sobre o quadro;'PROIBIDO USO DE CELULAR.' Vejo ai uma grande falta de interesse ou postura p/ se repensar a questão. Na prática o q/ temos mesmo é o acesso restrito da internet aos alunos e à sala de aula.Professores pessimistas e indiferentes ao conteúdo dessa proposta,tratando-o c/ um verdadeiro ABUSO ou ABSURDO.Será q/ esse tal de Whats só se restringe mesmo p/ outros fins?!menos o de integra-lo ao avanço do ensino?!

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

O reajuste nos vencimentos dos professores da rede estadual do MA observará a legalidade ou a ilegalidade?

Conheça a nova tabela salarial dos professores da REDE ESTADUAL

Gov do Maranhão define, em lei, critérios p/ a utilização dos recursos provenientes do precatório do FUNDEF